Sou do Sul.
Sou do Sul, dum cantinho à beira-mar
Trago nas mãos as ondas uma a uma...
Dentro de mim o mar que se avoluma
No meu coração um lenço a acenar!
Sou do Algarve, das lendas belas
Da terra mais quente junto ao mar
Daqui donde partiram caravelas
Na rota constante do sonhar!
Eu sou do sul que cheira a maresia
Sou filha deste mar, do céu azul
Sou gaivota branca sobre a Ria...
Sou ave migratória rumo ao Sul!
Serei sempre do Mar eterna amante
Sou dum cantinho com o mar a seus pés
Vivo na aldeia branca onde um navegante
Se enfeitou com a graça das marés...
Nasci junto ao mar em terra sulina,
Que espreita dum mirante - o alto mar
O mar vive em mim e me domina
Na ânsia de partir e regressar!
Trago sempre o mar em ondulação
Dentro do meu peito que se agita...
Eu sou do Sul e o mar é meu irmão
Porque ele a toda a hora em mim palpita (...)
Saudades de Minha Terra
Do alto da tua torre
Como é lindo o mar que se espraia
Na praia!...
Fuzeta! Meu Rio Oeta!
Saudades da tua foz!
Nas águas mansas do teu rio
Cantaram sereias ao desafio
Nas águas do teu Olheiro
Que iam nossas avós
É um sonhar de ilusões!
Passaram tantas gerações!
Na página do teu diário
Decorrido um centenário
Escrevo-te esta missiva
Fazendo uma retrospectiva
De minhas recordações
Soaram teus "carrilhões"
Carpindo a tua sina
Fuzeta velhinha!
Igreja menina!
Como eram belos os pregões
Da Tia Estina
Oh! que saudade!
Fuzetenses bem ufanos
Recordai a mocidade!
Recordai o "Pai Andrade"
Com suas belas cantigas
Que cantava às raparigas
No seu jeito de versar
À sua noiva do mar!
Para aliviar a mágoa,
Recordai o "Zé da Água"
Que levava a água aos "altares"
Água das águas dos mares
Maresia de água benta
Água de poços e abismos
Água benta dos baptismos
Minha Fuzeta Velhinha!
Tu tiveste teus heróis
Na pesca e seus anzóis
Como o Chico Larencinha
Ali, pertinho de ti,
Oh! Minha igreja branquinha!
Estão glórias do passado
Naquele lugar sagrado
Tu és o maior monumento
Escrito na palavra sentimento
És o mais belo mosteiro!
Cabe nele, o meu amor verdadeiro.
(Menção honrosa nos Jogos Florais de N. S. do Carmo Fuzeta — 1986)
in Histórias da Minha Terra, páginas 93 e 94
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Maria José Fraqueza foi aluna nas Escola Serpa Pinto e Industrial e Comercial de Faro (EICF) na primeira metade dos anos 50 do século XX e alguns anos depois, nos finais dos anos 60 do século XX, foi professora da mesma escola.
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Notas Biográficas
Maria José Viegas da Conceição Fraqueza, nasceu na Fuzeta em 8 de Maio de 1936.
Atualmente, é professora [aposentada] de Secretariado, na Escola C+S Dr. João Lúcio — Olhão. Passou por diversas escolas, onde desenvolveu núcleos de teatro amador, poesia, canto, etc., nomeadamente em: Almada, Estremoz, Faro [foi professora da Escola Industrial e Comercial de Faro nos finais dos anos 60 do século XX] Vila Real de Santo António e Olhão. Praticamente, toda a sua vida tem sido centrada nos seus alunos e na sua atividade profissional, dedicando parte da sua obra poética a estes, vivendo apenas na "poesia" para o seu "pequeno-grande Mundo" —as escolas, por onde passou, onde revelou sempre a sua "espontaneidade de poetisa repentista" — disso, constatam alunos e colegas que lidaram com a poetisa de perto.
Em 1985, começou a concorrer a Jogos Florais, tendo, a partir daquela data, obtido alguns prémios, que a tornaram mais conhecida. Mas, foi precisamente através da Rádio Lagoa e graças a Edmundo Falé, que passou a ser conhecida de "um público mais numeroso" e a desenterrar a "poesia adormecida na gaveta".
A poesia sentimento centrada no amor à sua terra, aos seus amigos e familiares, é um lado apaixonante da poetisa. Gosta, sobretudo, de transmitir alegria ou conforto aos outros, daí a razão de ser, dos seus versos, da sua poesia realista, por vezes, "picante", com extraordinário sentido de "humor" variado o seu "estilo de versejar". Contudo, a poesia narrativa é uma característica dominante e original do seu trabalho.
Daí, a razão de ser da sua opção.
Adaptação da contracapa do livro
Histórias da Minha Terra publicado em janeiro de 1989
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Dedicatória da autora no livro Histórias da Minha Terra |
Sobre a obra desta Autora Cont'Arte e o seu valor, é importante reler as palavras do Dr. Joaquim Magalhães, outro importante Autor Cont'Arte, reconhecido precisamente pelo seu apoio à literatura popular, no Prefácio do livro Murmúrios do Mar onde, reconhecendo o valor da obra também traduz o espírito do nosso concurso de audioleitura quase... como se fosse uma profecia...
Luz Verde e Bandeira Azul
Inicia assim o seu «Murmúrio»... o Exm° Sr.
Dr. Joaquim Magalhães...
(...)
Curiosamente a autora destes «Murmúrios do Mar», agora em vias de continuação das «Histórias da Minha Terra» que foi edição da Associação dos Poetas Populares do Alentejo e Algarve, acompanha a linha desses espontâneos, mas com uma formação académica e aspirações pessoais mais alargadas.
Lendo, como devem ser lidos, estes «Murmúrios do Mar», em voz alta, mas não tanto que se atraiçoe o título, os leitores se aperceberão de que Maria José Fraqueza insiste nesta segunda obra num género literário, digamos, consagrado noutros tempos, mas muito menos usado, hoje em dia. Refiro-me ao soneto, forma de cerca de metade das composições do livro. Não direi que o rigor da métrica seja sempre perfeito, mas registo o impulso lírico espontâneo de sinceridade, de que, naturalmente nos apercebemos na tal leitura em voz alta, que, outra vez, se recomenda. E, quando assim lemos, vamos entendendo que não é o metro rigoroso a medida exacta da espontaneidade da escrita.
E quem assim se apresenta sem pretensões merece uma saudação amigável e amiga que, pelo que me toca, não só não regateio, como o faço com muita simpatia e recomendo com a maior sinceridade.
Escutem, de alma e coração abertos, estes «Murmúrios do Mar» e leiam-se os sonetos e demais poemas do volume como canções para uma construção de castelos da poesia à beira-mar, deste mar do Algarve, apanhado em «murmúrios».
E fica assim mais alargada a obra de Maria José Fraqueza.
Depois das «Histórias da Minha Terra» ia quase a dizer, histórias «ou murmúrios do meu mar». Também merecem luz verde e bandeira azul.
17 de outubro de 1989
Dr. Joaquim Magalhães
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E porque este blogue é de Autores Cont'Arte, a prefaciar outro livro de Mª José Fraqueza "No Tempo da Mana Anica" encontra-se um texto do Dr. Honorato Ricardo, outro ilustre estudante e professor da nossa escola, que pela sua raridade passamos a transcrever:
PREFÁCIO
A Escola Básica 2, 3/S Dr. João Lúcio, ... na sua função pedagógica e altamente meritória de promover a cultura entre as populações do meio onde exerce a sua actividade, dirigiu convite para que se escrevesse um livro cuja publicação patrocinaria e que motivasse os amantes das letras.
Indo ao encontro desta nobre missão, porque também ela professora, Maria José Fraqueza, a grande poetisa fusetense, aceitou o convite e entregou-se, com paixão, à obra agora presente. Retrata um passado, não distante, das gentes da Fuseta, com motivos que despertam o maior interesse.
Cabe-me ao prefaciar o Livro, dizer dele o resultado de uma apreciação criteriosa e sincera, faço-o de boa vontade e com alegria, porque contactar com este passado recente da Fuseta, de que alguns fusetenses, com mais idade recordam, é reviver o brilhante património cultural e humano desta linda vila, onde me radiquei e desde sempre aprendi a amar.
No Tempo da Mana Anica é o título sugestivo do Livro de Contos referido. Por ele perpassam a nostalgia e a saudade dos belos tempos em que decorre a sua acção. Misto de lenda e da história, os factos aí narrados dão-nos a vivência da época com todo o brilho e colorido porque a autora apresenta cada episódio e cada capítulo com muita leveza e autenticidade. Usa uma linguagem clara e real que nos aproxima desse passado: «Fóquim no braço e botas rangedêras regressam ao mar» diz, referindo-se aos bravos pescadores da Fuseta.
A autora estruturou a sua obra dividindo-a em seis capítulos que são outros tantos episódios onde fala na gente do mar, dos seus usos e dos seus costumes. Nunca perdeu de vista a unidade da obra nessa figura mítica e emblemática criada na imaginação popular - a Mana Anica.
Em quadros arrancados à própria vida e num estudo aprofundado que faria inveja à Antropologia, a autora refere: «mulheres fazendo malha», «mulheres fazendo empreita, ...os cântaros à cabeça», «a caiadeira», «o aguadeiro» e outros mais. Refere as figuras típicas da época e anota lugares e episódios que a história não pode esquecer: «o poço», «o olheiro», «as cadeiras de tábua», «as pragas», «os moínhos de maré». Diversidade e riqueza que só a leitura nos pode dar:
Obra pedagógica que se enquadra nos programas escolares da Área Escola, o seu conteúdo permite um vasto campo de pesquisas e apresenta o Povo da Fuseta com um humanismo evidente. A parte histórica e séria, que não foi esquecida, dá o querer das gentes desta terra e personifica, de forma notável a Fuseta. As notas explicativas, que a autora apresenta, no final da obra, tornam-se necessárias à compreensão do evoluir das populações fusetenses: «O burguel», «Os olheiros», «As golpelhas», são marcos da história desta terra e tão caras a quem demandava a longínqua Terra Nova na procura do «fiel amigo».
É nesta matriz cultural que nos encontramos, enquanto memória colectiva de um povo que procurou no mar a razão da sua existência. A autora utilizou uma linguagem em desuso, marcadamente de sabor popular, porque, intencionalmente, nos quis aproximar dos ambiente e vivências de outra época.
Obra de estudo e de reflexão, numa abordagem social que engloba um riquíssimo quadro de valores humanos, prima por aspectos essencialmente descritivos, mas não deixa de parte belos aspectos narrados onde as personagens são elementos do povo, essa Anica.
Maria José Fraqueza, a autora dos contos No tempo da Mana Anica tem-nos dado alguns livros de poesia ena quase totalidade, dedicados à sua terra. É no seguimento dos seus poemas, onde revela o muito amor pela Fuseta e pelas suas gentes, que escreve o Livro que agora vai publicar,em colaboração com a Escola onde trabalha. É um livro de prosa, de afirmação, da história e da lenda do seu povo. De mensagem clara: amar a terra e amar as suas gentes. E fá-lo, duma forma simples, para as recordar, para as sentir, palpitantes de vida. E põe na boca das personagens as falas de outrora, a forma como se exprimiam. É como se estivessem vivas, como se o tempo tivesse parado.
E recorda a sua Escola, brilhante pólo de desenvolvimento cultural. Recorda-a na sua dedicatória e quase introdução: "A Escola é uma alavanca, capaz de elevar o mundo». É uma crente fervorosa e cheia de esperança, desse desenvolvimento à sua volta. E dá o seu contributo de forma abnrgada e generosamente.
As ilustrações enquadram-se, perfeitamente, no conteúdo e na mensagem da obra deixada pela autora. Revelam sensibilidade e poder criativo. Também elas retratam a Fuseta e à dimensão do seu passado.Outro produto feliz da Escola Dr: João Lúcio nas pessoas dos seus alunos.
A leitura é atraente e sugestiva.Aos interessados leitores cabe a escolha. A certeza é a de que os contos de No Tempo da Mana Anica nos transportam a um passado recriado e vivido nestas páginas de Maria José Fraqueza.
Fuseta, 24.5.94