sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Cunha, Norberto




      











O poema seguinte foi a primeira colaboração do autor no jornal do O Olhanense, em 2010, como " uma pequena e simbólica prenda, na forma de um apontamento sobre a Ria Formosa "


Preia-Mar no Ancão O pino da tarde é o momento. Lânguida, verde e transparente a toalha oceânica renova a posse inteira, soberana e amante sobre a Ria. Com ternura, deita-se já nas ilhotas rasas do sapal e carícias imprime no cálido lençol dos louros areais Misturam-se odores. Terra de sal irrigada eflúvios de cardo e trovisco limos e murraça tojos, pinho. Erótico perfume. É agora. Cessou o trotar de caranguejos o compasso da babugem a tensão nas amarras e a deriva dos barcos o voo das aves o percutir de insectos o rumor da brisa. No deslumbre do olhar aprisionado repousada e soberba a líquida e límpida planura• aí está, enfim• em toda a extensão• da sua fecundidade em toda a grandeza da sua imponente quietude. Agora tudo é uno, inteiro completo perfeito. Em êxtase• rendido ao pleno da maré detém-se o universo. Só o sentir se move• e a memória guarda. Não são mais• que saudade antecipada ocaso deste instante mágico e único sempre. Obviamente, nunca o cronista bíblico se aventurou por esta estreita remota e ignota faixa do paraíso. Mas sem ela, sem estes aromas esta luz, esta paisagem• este momento sublime• Éden algum alcançará a completude Norberto Cunha - Jornal "o Olhanense", 2010


In Blog "Costeletas" Colocado por Rogério Coelho em 29-11-2010


 Poema retirado do Facebook do autor do dia 18 -10 2020:

NA TUA AUSÊNCIA
Na falta dos teus braços sinto frio
sem a tua mão adormeço
e sem o teu olhar o meu fica vazio
Na tua ausência, amor
Não há chama nos lençóis
não há estrelas não há sóis
auroras que comigo descobriste
Na tua ausência amor
eu não te esqueço
mas só me perco e pereço
o mundo já não existe...


Mas, além de excelente poeta como se pode ver nos poemas anteriores, Norberto Cunha também surpreendeu os seus leitores com a publicação do livro  "O Triângulo de Dezembro e outras ficções", do qual apresentamos o seguinte excerto:


" Finalmente!
        Impressos preenchidos e entregues, inscrição paga, António deixa a secretaria da escola com o talão bem guardado no bolso e a estimulante certeza de que uma nova vida se abre para si.
        — Olá! Então agora vens estudar à noite? É a mais linda daquelas rapariguinhas que tanto o embaraçavam na farmácia. Mas o sorriso que lhe oferece mostra-se mais límpido e generoso que nessas ocasiões. E como um garoto surpreendido numa travessura, o jovem sente o rubor assomar-lhe ao rosto, mas controla-se. Muito mais ousado tinha sido enfrentar mestre Fulgêncio. E com uma segurança antes impensável responde:
        —   É verdade. E tu? Andas cá na escola?
        —  Já estou no segundo ano. Mas não faz mal, a gente encontra-se à mesma. Então adeus.
       —  Adeus — retribui António um tanto aturdido e deixa-se ficar  a observá-la enquanto, no seu andar gracioso, a desinibida rapariguinha abandona o átrio.
          E eis que, de súbito, lhe sobe uma enorme, imensa, avassaladora, quase irrefreável vontade de gritar, de cantar, de sair correndo aos saltos pelas ruas da cidade! Está tão de bem consigo, tão confiante e feliz, como se acabasse de receber, sem o esperar, o maior, o mais desejado e merecido dos prémios."
                                                    
in O Triângulo de Dezembro e outras ficções, página 153
                                   

Notas Biográficas

Nasceu em Faro, em 6 de Junho de 1939.
Frequentou a  Escola Industrial e Comercial de Faro desde 1956 até 1963, onde fez o Curso de Aperfeiçoamento de Comércio e as Secções Preparatórias para Institutos Comerciais, com o processo nº 3218.
Atualmente vive em Lisboa, Cascais, como ele próprio se define "Sou um farense “exilado” há quase cinquenta anos no concelho de Cascais, bancário aposentado, licenciado em Filosofia, que gosta de escrever e faz da escrita exercício vário, abrangente, onde a cidadania também cabe." 
Tem colaborado em publicações de carácter associativo ou regional com poesias, crónicas, apontamentos e ensaios, e foi colunista do Diário do Sul — Edição Algarve e do Diário do Algarve, de 2000 a 2002


Bibliografia

Panorama da Cidade, poema satírico, Faro 1960 
Breves Poemas para Hoje, Faro 1962.
O Triângulo de Dezembro e outras ficções

                             
 A complementar a biografia do autor  e salientando o valor da sua obra deixamos as palavras  elogiosas de algumas personalidades de reconhecido valor intelectual  retiradas  da 1ª aba de   O Triângulo de Dezembro e outras ficções:


           
                                                    _______________________________

             "Reúne-se nesta obra um feixe de contos cujo recorte estilístico se assemelha a um caleidoscópio literário, matizado num flagrante realismo filosófico, impregnado de pertinentes observações sobre os comportamentos sociais e atitudes políticas que consubstanciaram a nossa sociedade nas últimas décadas. No livro, certos temas são desvelados com a coragem e a genialidade que caracterizaram alguns dos maiores vultos da literatura pátria. Norberto Cunha segue-lhes as pisadas, aproximando-se com inspirada criatividade dos mais consagrados contistas contemporâneos. Será que neste Triângulo de Dezembro se projeta o primeiro passo de uma esperançosa jornada de sucesso? Esperemos que sim:' 

                                                                    José Carlos Vilhena Mesquita 
                                                  __________________________________

Carta a um escritor, por António Gomes Marques



       Há pessoas que escrevem livros, de imediato publicados, que não necessitam de publicidade e, logo à partida, têm a garantia de venda de milhares de exemplares. Há escritores, uns bons e outros excelentes, que se vêem e desejam para encontrar editor e cujas obras, quando editadas, se vão arrastando ao longo do tempo numa venda lenta e que, muito de vez em quando, lá esgotam a edição. O fenómeno não é apenas português. Claro que também acontece que estes escritores, se têm a sorte de as livrarias lhes darem visibilidade, conseguem passar a ser conhecidos e, naturalmente, a ser procurados; no entanto, com raríssimas excepções, o número de exemplares de cada edição dificilmente ultrapassa os 3000 exemplares. Mas são estes escritores que merecem que deles falemos, que gritemos ao Mundo: «Olhem para aquele livro, leiam-no, discutam-no, pensam-no!
        É dum desses escritores que vos quero falar. Não é conhecido do público, não atingiu ainda a excelência e poderá nunca a atingir se não o lermos e, assim, o levarmos a desistir.
        Foi no dia 26 de Novembro de 2007 que o António Norberto Cunha me procurou trazendo um livro debaixo do braço, o que nada teria de extraordinário não fosse ele o autor. Tratava-se de «O Triângulo de Dezembro e outras ficções», livro de contos, livro que estendeu para mim, dizendo: «É para ti!» Com alguma emoção, abri de imediato para lhe pedir a dedicatória, da qual o Norberto não se tinha esquecido e que não resisto a transcrever:
            Dois ou três dias depois iniciei a sua leitura, finda a qual me coloquei frente ao computador, não resistindo a escrever o texto que abaixo vos deixo (e que continuava inédito), texto esse que vos dirá a razão por que não podia deixar de o produzir, e a que chamei:


CARTA A UM ESCRITOR

QUARTA-FEIRA, 18 DE MAIO DE 2011

Meu Caro Norberto

      Já são passados mais de 2 anos sobre a resposta que me deste à inevitável pergunta que se faz a um amigo que não vemos há algum tempo: «Tenho desfrutado da companhia dos netos e do prazer da escrita». Perguntei-te de seguida o que tens escrito, pensando eu que me irias falar da «nossa» Filosofia que tanto tem ocupado as nossas vidas e tu, confesso, voltaste a surpreender-me: «Tenho escrito uns contos, pensando mesmo em publicar um livro».
        Um livro, óptimo, e logo de contos, que eu sempre considerei o mais difícil na ficção. E foi este o tema que se seguiu na nossa conversa. Perguntaste-me então se eu estaria na disposição de ler alguns e, depois, dar a minha opinião. Claro que a resposta teria de ser sim.
          Fui um leitor atento, mas demasiado exigente. Acredita que foi por amizade, dado temer que não passasses de mais um ficcionista no meio de muitos, o que para um amigo meu seria pouco. Tinhas escolhido a via mais difícil para fazer literatura – escrever contos. Mas, na verdade, pode ser-se muito bom contista sem atingir a mestria de um Anton Tchekhov, o melhor de todos na minha modesta opinião.
          Vi, de imediato, que tinhas cuidado com a narração e que sabes perfeitamente que a literatura tem de ser construtiva e não demonstrativa, mas deixei para o futuro uma apreciação mais definitiva sobre a tua qualidade de contista. Foi, mais ou menos, o que te disse depois de lidos os 3 contos que me enviaste, havendo um deles que não me agradou, embora te tivesse dito que deverias pegar nas suas personagens, construir-lhes uma vida, sem preocupações do número de páginas para, assim, ganhares experiência para vires a ser o ficcionista que estavas a pretender ser.
           Mais tarde, disseste-me que o livro estava pronto e que gostarias que eu fizesse, naturalmente com outros, a sua apresentação pública. Convite honroso que não pude aceitar por, nas datas prováveis, não estar no país. Foi pena não ter podido testemunhar este momento importante da tua vida, igualmente importante para os amigos!
           Entretanto, chegou-me o livro, «O Triângulo de Dezembro e outras ficções», generosamente oferecido por ti, cuja leitura iniciei cheio de curiosidade uns dias mais tarde, logo que terminadas outras leituras (não consigo ler um só livro de cada vez).
          Nos contos gosto, naturalmente, de histórias curtas que sejam capazes de sintetizar um romance em meia dúzia de páginas, ou menos, que me falem de pessoas vivas, verosímeis, que levam a nossa imaginação a procurar a solução do mistério que o autor tão bem nos sabe apresentar. Por isso, gosto dos contos de Manuel da Fonseca, do Carver, da Flannnery O’Connor, do Juan Rulfo, do Italo Calvino, como também de Ilya Ehrenburg (esqueçamos um pouco o seu estalinismo), do Guy de Maupassant, da «Servidão e Grandeza dos Franceses », de Aragon, do Miguel Torga e de muitos, muitos outros, sem esquecer o maior – Anton Tchekhov.
         E gosto dos teus contos, perfeitamente enquadrados quase todos eles na minha concepção do que é um conto. Apareceram-me como narrados de dentro do universo que procuras retratar, sentindo-se muitas vezes a tua adesão ao mundo que mostras, numa linguagem simples para o leitor, bem mais difícil para o autor. Mostras dominar já bastante bem, para além da linguagem, a técnica do conto, a criação do mistério a partir de uma realidade que o leitor pode (deve) conhecer.
          Por fim, não posso deixar de referir que continuaste a surpreender-me. Falo do conto «A Bandeira Moçárabe», que tomo como homenagem à terra que te viu nascer, Faro, conto esse prenhe de erudição.Poderias ter escolhido a época pré-histórica ou a época romana, bem assinaladas por traços bem materiais; optaste pela época da ocupação islâmica, iniciada no séc. VIII, mostrando um conhecimento profundo do viver quotidiano da época que retratas e que resulta numa lição erudita que me encantou. Bem hajas!

        E pronto, meu caro António Norberto, esta carta já vai longa e é tempo de a terminar.

        Abraça-te com a amizade de sempre o

                           António

 In Blog Estrolabio


https://estrolabio.blogs.sapo.pt/tag/norberto+cunha

Igualmente publicamos a foto e a notícia da apresentação do livro em dezembro de 2007, retirada do Blogue da AAAETC





O TRIÂNGULO DE DEZEMBRO E OUTRAS FICÇÕES

O "Costeleta" Norberto Cunha, associado e colaborador do nosso jornal em artigos "Naquele Tempo", fez a apresentação do seu livro "O Triângulo de Dezembro e Outras Ficções", no passado dia 12 de Dezembro na Biblioteca Municipal António Ramos Rosa em Faro. A Direcção da nossa Associação e outros "Costeletas" estiveram presentes no evento, com destaque para Daniel Mendonça, Franklin Marques, Isabel Coelho, João Ramos, Jacinta Ramos (Mimi), Luís Cunha, Vitor Cunha, João Rezende e Rogério Coelho (que fotografou). Na foto podemos apreciar a apresentação do Livro pelo Autor. Lemos, gostámos e apresentamos ao Autor as nossas felicitações e aguardamos o próximo lançamento Publicada pela  Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira.











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