sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Quaresma, Amilcar


Caricatura por Francisco Zambujal


 Poema das sete cores, sete dores

Que fizeram, Poeta às tuas cores?
Que é feito desse verde tão amado,
Porque está o mundo abandonado,
Para que servem, Poeta, as tuas flores?

As tuas Bailarinas já não dançam
O bailado das cores imortais.
Triste são deste tempo estes sinais.
Se os poetas de pintar até se cansam.

Verde, amarelo, azul, violeta, alaranjado,
Variados sentimentos já dançaram.
Mas bailaram, com tristeza, sem calor

As tuas fúcsias no teu verso celebrado.
Pois no fim dessa dança, que bailaram,
O branco foi esquecido pelo autor.

 in Diário, página 195



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6 de Novembro de 1986

Um pouco ao Deus dará...

      Este Diário é, ao fim e ao cabo, uma amálgama de notas arrumadas um pouco ao Deus dará.
Coisas do tempo passado, eu misturo com outras  talvez acontecidas hoje mesmo. Mas o que prometo aos meus leitores, é que a Escola e os moços estejam  nas histórias que eu contar, nos comentários que  fizer. Recordo hoje o Mário. Há quantos anos aconteceu isto, meu Deus? Há mais de vinte e cinco,  certamente. O Mário ganhou mil litros de gasolina super. por ter sido o primeiro, num concurso de frases publicitárias à escala nacional. A empresa  que teve esta iniciativa dirigiu-se à nossa Escola,  que na altura se chamava Escola Industrial e Comercial de Faro, requerendo a nossa participação. Eu era professor de Técnica de Vendas e Publicidade e pus os meus alunos todos, a inventar frases publicitárias. A alegria do êxito veio oferecida em etapas. Primeiro, uma carta elogiosa para o professor que soubera ligar a vida às suas lições. Na verdade, essa tem sido a minha luta, o quebrar fronteiras entre a Escola e a Cidade. Depois a espantosa revelação: o Mário fora o primeiro, entre cerca de 3000 frases concorrentes! Depressa ficou resolvido, que o Mestre acompanharia o estudante premiado a Lisboa e logo nos preparativos da viagem começou a festa. Uma ida ao Jardim Zoológico ficou, desde logo, programada. Hoje, recordo a tal frase vencedora:
 "Viscostatic, um sucesso no progresso" O moço construira uma frase publicitária apenas com quatro palavras! Grande vitória! Lembro-me perfeitamente o gozo que foi tirar partido das ofertas prometidas! Entraríamos no melhor hotel. Não pouparíamos no restaurante. Da vida lisboeta, eu pouco mais sabia que o meu jovem aluno. Daí o encontrarmo-nos   num restaurante, que depois verificámos, e ainda bem, que era muito luxuoso e de cinco estrelas! Meu Deus! Um tanto encabulados, olhávamos para aquilo tudo extasiados. Aquários luminosos com peixes transparentes, volteando...Pássaros exóticos em gaiolas douradas. Velas, em cima das mesas...Ai, santo Deus, como vai ser isto, de escolher os alimentos? Como sempre gostei das cores, deixei-me seduzir por um caldo, que se chamava "Três cores". Sabem os meus leitores, o que aconteceu? Apareceu uma água chilra, sem sabor, onde boiavam três bolinhas, tipo pintarolas!O Mário, olhou-me de soslaio e desatámos a rir, a rir, como perdidos. Jurámos que não nos enganariam mais. Desistimos do luxuoso caderno, onde os pratos vinham com seus nomes em francês e inglês e pedi ao empregado escandalizado, simplesmente, dois bifes com batatas fritas.
       Foi um nunca acabar de episódios memoráveis essa ida a Lisboa , por quatro ou cinco 
dias. Lembro-me agora de dois momentos: um solene; outro espectacular! O momento formal foi
quando na sede da companhia petrolífera o meu aluno assinou um documento através do qual cedia
os seus direitos de autor da frase por si inventada a favor da empresa que a iria usar em todo o mundo, onde actuava, vendendo gasolinas e derivados. Na altura da assinatura sentimos os relâmpagos das fotos de circunstância. O momento espectacular foi, quando no meio dum concurso muito popular da TV de então, o "Diga, diga...", o Jorge Alves, famoso locutor já falecido, nos entrevistou: ao herói da sessão, um moço de Faro e mais o seu professor, que nesse dia entrou pela vez primeira para o arquivo histórico da TV! Podem imaginar, o que foi, em Faro, essa sessão televisiva? Faro era mais pequena, quase uma família...Tenho a certeza que tudo parou, há vinte e seis anos, quando eu e o Mário debutávamos na TV.

In Diário, páginas 143 a 145

                                               

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A Visita ao Porto

As aventuras dos Algarvios, estes rapazes,
   E também as partidas destas moças,
Que de muitos feitos são capazes,
E a santa paciência dos professores,
Que ganharam vitórias não fugazes,
Eu cantarei, se a inspiração vier
E da excursão ao Porto eu comporei
Um poema, se tal fama lá couber!

​A vós, ó ninfas de grande valimento,
A vós filhas do Rio Seco, tão famoso,
EU peço inspiração, entendimento,
E faço-o, em jeito humilde e piedoso.
Se para edificar tal momento,
O valor falta, esse jeito precioso,
Aumentai, musas minhas o talento,
E dai-me um estilo nobre e engenhoso.

In O Diário, Páginas 162 e 163




Biografia

Amílcar Quaresma  foi professor da  Escola Industrial e Comercial de Faro, nos  anos 60  e 70 do século XX.

Nasceu a 11 de março 1934 em Estoi, Faro Desde cedo descobriu vocação para as letras, criando, na escola primária, um jornal colorido a lápis de cor a que deu o nome de Foguete. Fundou e dirigiu várias publicações, como Rompeu, Alvorada, Despertar, Açoteia, Jogral, Tempo Jovem e Preto no Branco, muitas delas escolares, em conjunto com os milhares de alunos que ensinou. Dividiu a carreira de professor entre a Escola Tomás Cabreira e o antigo Liceu de Faro (atual Escola Secundária João de Deus), mas foi também dirigente associativo de várias coletividades, tendo fundado o Jograis de Estoi. Faleceu aos 75 anos e dividiu a sua vida entre a docência, a literatura e a comunicação social.





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