sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Beatriz Leonardo

 


A menina também queria ir lá para fora brincar com o resto dos animais. Queria encher-se de cores, brincar com os orgulhosos ursos e lobos e correr como as lebres e os veados. Queria também falar tanto e rir-se tanto como os esquilos tagarelas, que apenas sabiam dançar de árvore em árvore, tão enérgicos e cheios de vida. No seu íntimo também ansiava estar de barriga para cima a apanhar sol, como os ouriços, ou a aprender os segredos do bosque, junto das toupeiras.
Olhou ao seu redor, entristecida e de certa forma ansiosa, tentando encontrar uma abertura naquela infinita prisão. Aquelas paredes brancas desprovidas de cores haviam sido criadas com o objetivo de a proteger do cruel mundo no qual habitava. A única fonte de luz era a janela que brilhava pelas manhãs e se obscurecia pelas noites. Não havia portas. Não havia saídas... ou era isso que a menina pensava, antes de sentir as carícias do vento sobre os seus grossos cabelos cor de pinhal. Dubitante, ergueu o seu inexistente rosto e percebeu ... a janela estava aberta, era o seu momento de liberdade.


in A Menina sem Rosto
                                         
                                               _____________________________________





*Vídeo de João Quintela elaborado para um trabalho do 12.º ano (em 2021/2022) em que leu e divulgou autores que foram alunos ou professores das nossas escolas e que pode ver neste site.



Trabalho de vídeo sobre o seguinte excerto da obra da Beatriz Leonardo*

O Quarto Branco

Era uma vez uma menina que vivia num quarto branco no meio de um bosque.

O bosque, no qual fora alojada, era imensamente grande. Os pinheiros, imponentes e robustos, eram tão altos, mas tão altos que impediam as carícias do sol de passarem por entre as suas verdes folhas. Era um bosque sombrio, mas suave, tal como a noite sem estrelas, um berço gigante de inúmeras espécies de animais.

No meio de todo aquele arvoredo, existia uma terra plana, onde as flores cresciam, todas vaidosas pelos mimos do sol, de diferentes cores e tamanhos, distintas e únicas.

No centro daquela paleta de cores, havia um quarto. Um quarto branco, muito grande e muito vazio onde as cores não existiam e a alegria se desvanecia como água a escorrer pelas mãos.

Nesse quarto, só havia uma menina. Uma pequena e doce menina, que espreitava pela janela, curiosa pelo novo mundo.

in A Menina Sem Rosto, excerto do início da obra. 


                                            _____________________________________


  • Notas biográficas

Beatriz Leonardo nasceu em 20 de março de 2002 na cidade de Faro, no Algarve.

“A menina Sem Rosto” é a sua primeira obra publicada, escrita aos dezasseis anos de idade.

As ilustrações constituem o trabalho final apresentado no Curso de Design de Comunicação da Escola Secundária Tomás Cabreira, o qual, em conjunto com o texto mereceu a notação máxima.

Com dezassete anos conquistou o 1.º Prémio da 12.ª edição do concurso literário da Sophia de Mello Breyner Andreson, com o conto “Chromodoris Reticulata”.

Recebeu outros primeiros prémios designadamente com a conceção de um Logotipo e de uma imagem comemorativa dos 30 anos da Convenção Sobre os Direitos da Criança, esta último em parceria.

Aos dezoito anos mudou-se para a cidade de Londres onde estuda “Illustration for Communication” na Ravensbourne University e continua a escrever e a ilustrar as suas estórias.

Em 2020 foi publicada a 1.ª edição do livro “A Menina sem Rosto” e em 2021 a versão inglesa da mesma obra, sob o título Faceless Girl”.

Instagram: @beatrizbbleonardo          

Twitter: @beatrizbleonard

     Mail:  beatrizborgesdebarrosleonardo@gmail.com

                                        _____________________________________



terça-feira, 9 de novembro de 2021

Américo José Nunes da Costa


Natural de Tancos, freguesia de Paio de Pele, concelho de Barquinha  (14 de Maio de 1921),

 Licenciou-se em Educação Física 

Foi professor do quadro da Disciplina de Educação Física nas Escola Técnica Elementar Serpa Pinto  desde 26 de maio de 1949 até 31 de Dezembro de 1952 e de 1 de Janeiro de 1953 até 30 de Setembro de 1956 na Escola Industrial e Comercial de Faro , como consta do Registo Biográfico do seu Processo Individual, guardado no Arquivo Do Agrupamento das Escolas Tomás Cabreira.

Depois disso desempenhou funções em Lisboa, mas nunca esqueceu a sua cidade e os seus colegas. Foi mesmo o grande impulsionador da formação da Associação dos Antigos Alunos da Escola Tomás Cabreira.

Assim, no dia 2 de Abril de 1991, na Casa do Algarve, em Lisboa, perante o Notário do 11º Cartório Notarial daquela cidade, subscreveram a Escritura Pública de constituição da Associação os 5 membros da Comissão Instaladora sendo ele o nº 1. 

 lista completa da referida Associação pode ser consultada no seguinte link:

http://www.agr-tc.pt/sitesantigos/aaaetc/direccao.html 

Teve mesmo a honra de ser proposto por vários associados e  aprovado por unanimidade e aclamação que o Sócio Nº 1 Américo José Nunes da Costa seria designado:

PRIMEIRO SÓCIO HONORÁRIO DA ASSOCIAÇÃO


As suas características humanas e pedagógicas estão sublinhadas na crónica de João Leal que pode ler no seguinte link: https://jornaldoalgarve.pt/cronica-de-faro-no-centenario-do-professor-americo/ Crónica de Faro: No centenário do professor Américo.






Como também aí é referido vai realizar-se este ano  o idealizado programa da comemoração centenária do Professor Américo, com a Direcção da AAAETC, presidida pelo dinâmico Florêncio Vargues com a abertura de um espaço na Biblioteca da Escola Sede do Agrupamento, que lhe é dedicado e onde figura o espólio pelos seus filhos doados ao organismo associativo dos «costeletas».



Para destacar a acção do Professor Américo,vamos socorrer-nos das referências feitas pelo inesquecível Franklin Marques no "discursinho rimado" em 1994:

 

E, com todo aquele afecto

que se tem por quem se gosta,

lembrar o nome dilecto 

d'Américo Nunes da Costa.

Porque afinal, e em verdade,

a nossa Associação

nasceu da tenacidade,

do querer e da vontade

deste homem de excepção

 In:http://costeletasfaro.blogspot.com/2009/04/

 




Andreia Vale






















RESVÉS CAMPO DE OURIQUE

Que expressão usa quando quer dizer que estacionou o carro mesmo à tangente? Ou que entregou um trabalho mesmo, mesmo à justa, em cima do prazo? Ou quando alguma coisa nos corre bem, mas foi por um triz? Claro está, foi mesmo, mesmo resvés Campo de Ourique. Mas saberemos o que quer dizer?
Para esta expressão, há mais do que uma explicação. A mais conhecida encontra justificação no terramoto de Lisboa, a 1 de Novembro de 1755. Naquela manhã, o terrível sismo que abalou a capital provocou um maremoto de tal dimensão que terá chegado perto de Campo de Ourique, mas aquela zona da cidade escapou intacta, mesmo à tangente... É a versão mais romântica, diria eu — e a de que mais gosto.
Mas uma outra teoria diz que, na Lisboa oitocentista, os limites da cidade se assinalavam dentro deste bairro, na Rua Maria Pia. Tudo o que ficasse fora do vale de Alcântara era já «fora de portas». Campo de Ourique, com excepção do Casal Ventoso, ficava em Lisboa, sim, mas apenas resvés, ou seja, à justa..

in Puxar a Brasa À Nossa Sardinha

               _________________________________________________________


PASSAR DEBAIXO DE UM ESCADOTE

Eu diria que esta superstição é válida para outras coisas, como, por exemplo, aqueles placares de sinalética que estão nos passeios. Eu não passo pelo meio. Mas isso sou eu. Já agora, e para que conste, também não passo pelo meio de um escadote. Mas porquê? A questão da segurança é óbvia. Alguma coisa nos pode cair em cima ou nós próprios fazermos cair a pessoa pendurada na escada. Mas só isso não faz uma superstição. Afinal porque causa má sorte passarmos por baixo de uma escada?
Se olharmos para uma escada ou um escadote encostados a uma parede, temos a forma de um triângulo, a figura geométrica emblemática da Santíssima Trindade. Atravessar e profanar esse triângulo lançava uma maldição, e atraía o Diabo, apenas exorcizada se mantivéssemos os dedos cruzados até vermos um cão ou cuspirmos num dos nossos sapatos. Mas há mais mezinhas para quando, por distracção ou azar, passar por debaixo de um escadote. Já agora, a superstição também tem origem nos enforcados que subiam uma escada até ao seu calvário.
Ora vamos lá às mezinhas: pode sempre dar uns quantos passos atrás e recuar, passando outra vez por debaixo do escadote, pedir um desejo, fazer figas e manter as figas até ver um cão...

in Cruz Credo Bate na Madeira

                 _______________________________________________________



FALTOU-TE UM BOCADINHO ASSIM

Outro anúncio, outra expressão que provavelmente só vai fazer sorrir uma percentagem dos meus leitores. Mas não faz mal. Penso que esta é daquelas que qualquer pessoa com mais de 25 anos se vai lembrar: o puto que no autocarro não conseguia chegar ao varão porque lhe faltava um bocadinho assim: e agora faça a forma da letra C usando o polegar e o dedo indicador. Era esse bocadinho que faltava ao miúdo para se conseguir agarrar aos apoios para quem viaja de pé num autocarro. Foi a partir dessa publicidade que passámos a usar a expressão sempre que ficávamos aquém de um objectivo, por exemplo. E qual era o produto publicitado? O iogurte Danoninho, que ajudava os miúdos a crescer.

in Da Boca Para Fora
                 _____________________________________________________

  • Notas biográficas

Nasceu em Lisboa em 1978 mas dividiu a infância e a adolescência entre Torres Vedras, Funchal e Faro. Se lhe perguntarem de onde é, dirá que do Algarve. Estudou na capital e de finalista da primeira turma de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social passou diretamente, como estagiária, para o grupo de fundadores da SIC Notícias, no Verão de 2000. Esteve onze anos na SIC, oito na CMTV e atualmente faz parte da equipa do Jornal da Uma da TVI.

Andreia Vale foi aluna na Escola Tomás Cabreira.


  • Bibliografia




Andreia Vale, jornalista, é uma apaixonada por expressões idiomáticas, aquelas que nos saltam da boca sem sabermos como.

Puxar a Brasa à nossa Sardinha é o primeiro livro que escreve, em 2015, onde reúne algumas expressões que estão sempre à mão de semear. São democráticas, usadas por todos nós. Claro que, para as reunir estas expressões, a autora teve de passar as passinhas do Algarve pois este universo é como um poço sem fundo.

Cruz Credo é o seu segundo livro que escreve em 2016. É interessante e até divertido pois permite descobrir o que está por trás de várias superstições conhecidas.

Da Boca para Fora é o terceiro livro que escreve em 2019, sobre palavras portuguesas, adotadas, importadas que nos causam fornicoques quando as dizemos. São palavras que usamos no dia-a-dia sem conhecer a sua origem e as suas histórias.



segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Apresentação

Autores: Algarvios e/ou Autores Alunos e Antigos Alunos, Professores e antigos professores e funcionários das Escolas do Agr. Tomás Cabreira.

Apresentação do Concurso

Colabore na promoção e divulgação dos nossos poetas e escritores e ao mesmo tempo concorra a diversos prémios: 150 euros para o aluno primeiro classificado, livros e quebra-cabeças para os três primeiros classificados de cada um das seis escalões a concurso.

Para participar, basta ler  e enviar a gravação dos  áudios  para o mail contarte-aaaetc@agr-tc.pt. 
Caso as leituras sejam feitas em sala de aula, estas poderão ser enviados pelo professor.

Este concurso destina-se a toda comunidade: alunos e antigos alunos, professores e antigos professores e funcionários, pais e encarregados de educação.

Poetas e escritores  algarvios podem ser encontrados neste blogue ou  na  wikipédia de autores algarvios: wikialgarve.pt.

---------------------------------------------------------

Apresentação do Blogue

 Este é um blogue de promoção da leitura e de promoção e divulgação da memória coletiva da nossa comunidade.

      No âmbito do Projeto Cont'Arte, a Associação dos Antigos Alunos da Escola Tomás Cabreira (AAAETC) e as Bibliotecas do Agrupamento de Escolas Tomás Cabreira (AETC) lançaram este blogue de promoção da leitura e de divulgação de autores algarvios, entre os quais estão os Autores Cont'arte, que o são por terem passado, como alunos ou professores, pelos bancos das nossas muitas escolas, como entre outros, Carlos Lyster Franco, Mário Zambujal, Casimiro de Brito, Maria José Fraqueza, Amílcar Quaresma, Fernando Évora, Fernando Pessanha, Franklin Marques, Luís Campião, Maria Mattos, Pedro Inocêncio, Rosária Pacheco, Tóssam.

Colabore enviando textos  e poemas de autores que ainda não constem do blogue: contarte-aaaetc@agr-tc.pt 
---------------------------------------------------------

Brito, Casimiro de


Primeira Biografia 

Frente ao mar
 meu peito ardente e nu de marinheiro pelo sangue.

Nas veias o fervilhar feliz
 de um milhão de ondas devastadoras.

Nos meus olhos libertos e saudosos
espelhando a minha dor imensa
o abraço líquido que me une a ti
                       ó MAR
                        deus pagão de olhar luminoso e belo.

Recebe ó MAR
 este ribeiro de sofrimento que para ti corre
e contigo se confunde
                      ó MAR que eu amo
                      e a quem me ligo
                      pelo drama de não ser só teu ...

in Poemas da Solidão Imperfeita, página 13

                                          __________________________________

     
Noite por Ti Despida

Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos
                                  coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.

in Solidão Imperfeita 



Biografia

Nasceu em 14 de janeiro de 1938 em Loulé, distrito de Faro. 
Viveu a sua infância na região algarvia, completando o Curso Geral do Comércio, na Escola Industrial e Comercial de Faro no início dos anos 50 do séc. XX.
Viveu em Londres em 1958
Emigrado na Alemanha em finais dos anos 1960
Estabeleceu-se em Lisboa em 1971, desempenhando funções no sector bancário.
Poeta, romancista, contista e ensaísta,tem cerca de 56 livros publicados, traduzidos em 26 idiomas.
Em 1956 criou no jornal A Voz de Loulé uma página literária designada Prisma de Cristal, que se publicou até 1959, num total de 26 números. Nela colaboraram, entre outros, Ramos Rosa, Gastão Cruz e Maria Rosa Colaço. 
De 1958 a 1964 dirigiu, em Faro, a colecção de poesia A Palavra na qual publicaram, entre outros, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge e Candeias Nunes.
Em 1958, fundou e dirigiu com António Ramos Rosa os Cadernos do Meio-Dia (1958-60), onde se revelaram os poetas do movimento literário Poesia 61.
Foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Escritores, 
Foi Presidente do P.E.N. Clube Português e Presidente da respectiva Assembleia Geral.
Foi nomeado consultor para a Europa da World Haiku Association, sediada em Tóquio.
É responsável pela colaboração portuguesa na revista internacional SertaColumba, Loreto13, Cadernos Outubro 
Editor-in-chief da Antologia de Literatura Mundial Diversity do P.E.N. Club Internacional 
Diretor da coleção Grito Claro.
Dedica-se hoje exclusivamente à escrita e continua a desenvolver uma intensa actividade como divulgador da poesia nacional e internacional.

PRÉMIOS RECEBIDOS (entre outros)

Grande Prémio de Poesia Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Labyrinthus (1981),
Prémio Versília, de Viareggio, para a "Melhor Obra Completa Estrangeira", pela obra Ode & Ceia (1985), 
Prémio de Poesia do P.E.N. Clube, pelo livro Opus Affettuoso seguido de Última Núpcia (1997),
Prémio Internacional de Poesia Léopold Senghor (2002), 
Prémio de Poesia Aleramo-Luzi, para o Melhor Livro de Poesia Estrangeiro, com o Livro das Quedas (2004), 
Prémio de Melhor Poeta do Festival Internacional  Poeteka (anel de platina), na Albânia (2008).
Foi ainda nomeado embaixador mundial da Paz (ONG, Zurique)
Foi agraciado pelo Presidente da República Portuguesa com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique em 2008

BIBLIOGRAFIA


 

 Poemas da Solidão Imperfeita  (1957)
 69 Poemas de Amor (2008) 
Amar a Vida Inteira (terceiro volume do Livro das Quedas – poesia) 
Livro do Desejo.  (romance V.I)
Música Nua, Coisas de Ler, 2017.
Memória do Paraíso, Licorne, 2018.
Uma Lágrima que Cega, Razões Poéticas, 2018.
Alfa & Ómega, Razões Poéticas, 2019.
Euforia, Razões Poéticas, 2019.
Livro de Eros ou as Teias do Desejo, Razões Poéticas, 2020.
Nudez Luminosa, Licorne, 2020.

Pode ver uma biografia mais completa aqui 

Tóssan

 







Tal e coisa...

Quando ela me apareceu
vinha tal qual
como prometeu
E na intimidade
da solidão
ficamos enraizados
a trocarmos amor
E tal e coisa...
E coisa e tal...
Mais prá esquerda
mais prá direita
e continuamos
entre as fendas do silêncio
e porque tira e porque deixa
e tal e coisa e coisa e tal
ela já não dizia coisa com coisa
e eu tal e qual tal e coisa
tal como ela e eu tal qual

Amor descalço
(Dedicado à Manuela)

Ela ia minada de beleza
E eu, pé-ante-pé, seguia-a
como um íman preso
à memória que fica.
No entanto,
a indecisão se foi evaporando
até acender o meu espanto.
E para não me ouvir os passos
descalcei-me
E, descalço, ia no encantado encalço
do seu encanto.
De repente ela parou.
Fiquei mudo de atitudes!!!
E antes que eu falasse,
disse-me: Cale-se!
E eu calcei-me...

in, Tóssan: Versos côncavos e com versos

A girafa

A girafa,
girafa gira,
gira girafa girou
que de tão gira
a girafa
com este nome ficou!

O ananás

O ananás
começa pela ana
é uma mina
em vitaminas.
Quando o vão comer
perde o penacho.
Se o juntarem
com vários frutos
faz uma rica salada
de frutos
e desfrutas.

Camaleão

Lagarto pintado, 
lagarto tintão, 
lagarto pintado 
camaleão!...

Lagarto, lagarto, 
politiqueiro,
está sempre à coca
lá no coqueiro...

Muda de cor
quando convém, 
lagarto que vai, 
lagarto que vem...


in: Tóssan: Lógica zoológica, Frutos e desfrutos,  Animalia, Contos e descontos


O Sol e a Lua de Tóssan lido por por Ana F.
Pode ouvir mais autores num site wix de divulgação de autores algarvios, elaborado por  Ana F. e Catarina L. e que pode ver aqui: al1234.wisite.com/1234



Biografia

António Fernando dos Santos, mais conhecido por Tóssan nasceu em Vila Real de Santo António, 1918 - e faleceu em  Lisboa, 1991.
Pintor, ilustrador, caricaturista, cenógrafo, decorador, gráfico, poeta.
Foi o autor do logotipo da Universidade do Algarve.
Pertenceu, desde 1947, ao Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), onde foi cenógrafo e caracterizador.
A sua primeira obra como ilustrador foi a capa do livro «O Teatro dos Estudantes de Coimbra no Brasil».
Entre 1961 e 1964, orientou os trabalhos gráficos da Embaixada do Brasil em Lisboa, cuja Biblioteca Sala Brasil decorou.
Na imprensa, foi um dos criadores do suplemento juvenil do Diário de Lisboa e colaborador do jornal humorístico O Bisnau.
Foi o autor do cartão da tapeçaria do salão nobre da Procuradoria-Geral da República, em Lisboa.


Bibliografia

Fraqueza, Maria José













Sou do Sul. 



Sou do Sul, dum cantinho à beira-mar
Trago nas mãos as ondas uma a uma...
Dentro de mim o mar que se avoluma
No meu coração um lenço a acenar!

Sou do Algarve, das lendas belas
Da terra mais quente junto ao mar
Daqui donde partiram caravelas
Na rota constante do sonhar!

Eu sou do sul que cheira a maresia
Sou filha deste mar, do céu azul
Sou gaivota branca sobre a Ria...
Sou ave migratória rumo ao Sul!

Serei sempre do Mar eterna amante
Sou dum cantinho com o mar a seus pés
Vivo na aldeia branca onde um navegante
Se enfeitou com a graça das marés...

Nasci junto ao mar em terra sulina,
Que espreita dum mirante - o alto mar
O mar vive em mim e me domina
Na ânsia de partir e regressar!

Trago sempre o mar em ondulação
Dentro do meu peito que se agita...
Eu sou do Sul e o mar é meu irmão
Porque ele a toda a hora em mim palpita (...)


Saudades de Minha Terra

Do alto da tua torre
Como é lindo o mar que se espraia
Na praia!...
Fuzeta! Meu Rio Oeta! 
Saudades da tua foz!
Nas águas mansas do teu rio
Cantaram sereias ao desafio 
Nas águas do teu Olheiro 
Que iam nossas avós
É um sonhar de ilusões! 
Passaram tantas gerações!
Na página do teu diário
Decorrido um centenário 
Escrevo-te esta missiva 
Fazendo uma retrospectiva 
De minhas recordações 
Soaram teus "carrilhões" 
Carpindo a tua sina
Fuzeta velhinha!
Igreja menina!
Como eram belos os pregões 
Da Tia Estina
Oh! que saudade!
Fuzetenses bem ufanos
Recordai a mocidade! 
Recordai o "Pai Andrade" 
Com suas belas cantigas 
Que cantava às raparigas 
No seu jeito de versar
À sua noiva do mar! 
Para aliviar a mágoa,
Recordai o "Zé da Água"
Que levava a água aos "altares"
Água das águas dos mares
Maresia de água benta 
Água de poços e abismos 
Água benta dos baptismos 
Minha Fuzeta Velhinha! 
Tu tiveste teus heróis
Na pesca e seus anzóis 
Como o Chico Larencinha 
Ali, pertinho de ti, 
Oh! Minha igreja branquinha!
Estão glórias do passado 
Naquele lugar sagrado 
Tu és o maior monumento 
Escrito na palavra sentimento 
És o mais belo mosteiro!
Cabe nele, o meu amor verdadeiro.

(Menção honrosa nos Jogos Florais de N. S. do Carmo Fuzeta — 1986) 

in Histórias da Minha Terra,  páginas 93 e 94

___________________________________

Maria José Fraqueza foi aluna nas Escola Serpa Pinto e Industrial e Comercial de Faro (EICF) na primeira metade dos anos 50 do século XX e alguns anos depois, nos finais dos anos  60 do século XX, foi professora da mesma escola.

___________________________________

Notas Biográficas

Maria José Viegas da Conceição Fraqueza, nasceu na Fuzeta em 8 de Maio de 1936.
Atualmente, é professora [aposentada] de Secretariado, na Escola C+S Dr. João Lúcio — Olhão. Passou por diversas escolas, onde desenvolveu núcleos de teatro amador, poesia, canto, etc., nomeadamente em: Almada, Estremoz, Faro [foi professora da Escola Industrial e Comercial de Faro nos finais dos anos  60 do século XX] Vila Real de Santo António e Olhão. Praticamente, toda a sua vida tem sido centrada nos seus alunos e na sua atividade profissional, dedicando parte da sua obra poética a estes, vivendo apenas na "poesia" para o seu "pequeno-grande Mundo" —as escolas, por onde passou, onde revelou sempre a sua "espontaneidade de poetisa repentista" — disso, constatam alunos e colegas que lidaram com a poetisa de perto.
Em 1985, começou a concorrer a Jogos Florais, tendo, a partir daquela data, obtido alguns prémios, que a tornaram mais conhecida. Mas, foi precisamente através da Rádio Lagoa e graças a Edmundo Falé, que passou a ser conhecida de "um público mais numeroso" e a desenterrar a "poesia adormecida na gaveta".
A poesia sentimento centrada no amor à sua terra, aos seus amigos e familiares, é um lado apaixonante da poetisa. Gosta, sobretudo, de transmitir alegria ou conforto aos outros, daí a razão de ser, dos seus versos, da sua poesia realista, por vezes, "picante", com extraordinário sentido de "humor" variado o seu "estilo de  versejar". Contudo, a poesia narrativa é uma característica dominante e original do seu trabalho.
Daí, a razão de ser da sua opção.


Adaptação da contracapa do livro Histórias da Minha Terra publicado em janeiro de 1989





Dedicatória da autora no livro Histórias da Minha Terra

Sobre a obra desta Autora Cont'Arte e o seu valor, é importante reler  as palavras do Dr. Joaquim Magalhães, outro importante Autor Cont'Arte,  reconhecido precisamente pelo seu apoio à literatura popular, no Prefácio do livro  Murmúrios do Mar  onde,  reconhecendo o valor da obra  também traduz o espírito do nosso concurso de audioleitura   quase... como se fosse uma profecia...

Luz Verde e Bandeira Azul



Inicia assim o seu «Murmúrio»... o Exm° Sr. Dr. Joaquim Magalhães...

(...)
Curiosamente a autora destes «Murmúrios do Mar», agora em vias de continuação das «Histórias da Minha Terra» que foi edição da Associação dos Poetas Populares do Alentejo e Algarve, acompanha a linha desses espontâneos, mas com uma formação académica e aspirações pessoais mais alargadas.
Lendo, como devem ser lidos, estes «Murmúrios do Mar», em voz alta, mas não tanto que se atraiçoe o título, os leitores se aperceberão de que Maria José Fraqueza insiste nesta segunda obra num género literário, digamos, consagrado noutros tempos, mas muito menos usado, hoje em dia. Refiro-me ao soneto, forma de cerca de metade das composições do livro. Não direi que o rigor da métrica seja sempre perfeito, mas registo o impulso lírico espontâneo de sinceridade, de que, naturalmente nos apercebemos na tal leitura em voz alta, que, outra vez, se recomenda. E, quando assim lemos, vamos entendendo que não é o metro rigoroso a medida exacta da espontaneidade da escrita.
E quem assim se apresenta sem pretensões merece uma saudação amigável e amiga que, pelo que me toca, não só não regateio, como o faço com muita simpatia e recomendo com a maior sinceridade.
Escutem, de alma e coração abertos, estes «Murmúrios do Mar» e leiam-se os sonetos e demais poemas do volume como canções para uma construção de castelos da poesia à beira-mar, deste mar do Algarve, apanhado em «murmúrios».
E fica assim mais alargada a obra de Maria José Fraqueza.
Depois das «Histórias da Minha Terra» ia quase a dizer, histórias «ou murmúrios do meu mar». Também merecem luz verde e bandeira azul.

17 de outubro de 1989

Dr. Joaquim Magalhães

_________________________

E porque este blogue é de Autores Cont'Arte, a prefaciar outro livro de Mª  José Fraqueza "No Tempo da Mana Anica" encontra-se um texto do Dr. Honorato Ricardo, outro ilustre estudante e professor da nossa escola, que pela sua raridade passamos a transcrever:

PREFÁCIO 
A Escola Básica 2, 3/S Dr. João Lúcio, ... na sua função pedagógica e altamente meritória de promover a cultura entre as populações do meio onde exerce a sua actividade, dirigiu convite para que se escrevesse um livro cuja publicação patrocinaria e que motivasse os amantes das letras. 
Indo ao encontro desta nobre missão, porque também ela professora, Maria José Fraqueza, a grande poetisa fusetense, aceitou o convite e entregou-se, com paixão, à obra agora presente. Retrata um passado, não distante, das gentes da Fuseta, com motivos que despertam o maior interesse. 
Cabe-me ao prefaciar o Livro, dizer dele o resultado de uma apreciação criteriosa e sincera, faço-o de boa vontade e com alegria, porque contactar com este passado recente da Fuseta, de que alguns fusetenses, com mais idade recordam, é reviver o brilhante património cultural e humano desta linda vila, onde me radiquei e desde sempre aprendi a amar. 
No Tempo da Mana Anica é o título sugestivo do Livro de Contos referido. Por ele perpassam a nostalgia e a saudade dos belos tempos em que decorre a sua acção. Misto de lenda e da história, os factos aí narrados dão-nos a vivência da época com todo o brilho e colorido porque a autora apresenta cada episódio e cada capítulo com muita leveza e autenticidade. Usa uma linguagem clara e real que nos aproxima desse passado: «Fóquim no braço e botas rangedêras regressam ao mar» diz, referindo-se aos bravos pescadores da Fuseta. 
A autora estruturou a sua obra dividindo-a em seis capítulos que são outros tantos episódios onde fala na gente do mar, dos seus usos e dos seus costumes. Nunca perdeu de vista a unidade da obra nessa figura mítica e emblemática criada na imaginação popular - a Mana Anica
Em quadros arrancados à própria vida e num estudo aprofundado que faria inveja à Antropologia, a autora refere: «mulheres fazendo malha», «mulheres fazendo empreita, ...os cântaros à cabeça», «a caiadeira», «o aguadeiro» e outros mais. Refere as figuras típicas da época e anota lugares e episódios que a história não pode esquecer: «o poço», «o olheiro», «as cadeiras de tábua», «as pragas», «os moínhos de maré». Diversidade e riqueza que só a leitura nos pode dar: 
Obra pedagógica que se enquadra nos programas escolares da Área Escola, o seu conteúdo permite um vasto campo de pesquisas e apresenta o Povo da Fuseta com um humanismo evidente. A parte histórica e séria, que não foi esquecida, dá o querer das gentes desta terra e personifica, de forma notável a Fuseta. As notas explicativas, que a autora apresenta, no final da obra, tornam-se necessárias à compreensão do evoluir das populações fusetenses: «O burguel», «Os olheiros», «As golpelhas», são marcos da história desta terra e tão caras a quem demandava a longínqua Terra Nova na procura do «fiel amigo»
É nesta matriz cultural que nos encontramos, enquanto memória colectiva de um povo que procurou no mar a razão da sua existência. A autora utilizou uma linguagem em desuso, marcadamente de sabor popular, porque, intencionalmente, nos quis aproximar dos ambiente e vivências de outra época. 
Obra de estudo e de reflexão, numa abordagem social que engloba um riquíssimo quadro de valores humanos, prima por aspectos essencialmente descritivos, mas não deixa de parte belos aspectos narrados onde as personagens são elementos do povo, essa Anica. 
Maria José Fraqueza, a autora dos contos  No tempo da Mana Anica tem-nos dado alguns livros de poesia ena quase totalidade, dedicados à sua terra. É no seguimento dos seus poemas, onde revela o muito amor pela Fuseta e pelas suas gentes, que escreve o Livro que agora vai publicar,em colaboração com a Escola onde trabalha. É um livro de prosa, de afirmação, da história e da lenda do seu povo. De mensagem clara: amar a terra e amar as suas gentes. E fá-lo, duma forma simples, para as recordar, para as sentir, palpitantes de vida. E põe na boca das personagens as falas de outrora, a forma como se  exprimiam. É como se estivessem vivas, como se o tempo tivesse parado. 
E recorda a sua Escola, brilhante pólo de desenvolvimento cultural. Recorda-a na sua dedicatória e quase introdução: "A Escola é uma alavanca,  capaz de elevar o mundo». É uma crente fervorosa e cheia de esperança, desse desenvolvimento à sua volta. E dá  o seu contributo de forma abnrgada e generosamente. 
As ilustrações enquadram-se, perfeitamente, no conteúdo e na mensagem da obra deixada pela autora. Revelam sensibilidade e poder criativo. Também elas retratam a Fuseta e à dimensão  do seu passado.Outro produto feliz da Escola Dr: João Lúcio nas pessoas dos seus alunos.
 A leitura é atraente e sugestiva.Aos interessados leitores cabe a escolha.  A certeza é a de que os contos de No Tempo da Mana Anica nos transportam a um passado recriado e vivido nestas páginas de Maria José Fraqueza.
Fuseta, 24.5.94    
 






Afonso, José [Zeca]










No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada [bis]

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas

São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei

Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada [bis]

No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada [bis]

Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada [bis][bis]

Os Vampiros
José Afonso


Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada [Bis]
Quem tem uma mãe tem tudo
Quem não tem mãe não tem nada [Bis]

Quem não tem mãe não tem nada
Quem a perde é pobrezinho
Quem não tem mãe não tem nada
Quem a perde é pobrezinho [Bis]
Ó minha mãe minha mãe
Onde estás que estou sozinho
Estou sozinho no mar largo
Sem medo à noite cerrada [Bis]
Ó minha mãe minha mãe
Ó minha mãe minha amada

Minha Mãe
José Afonso


Zeca Reinventado
Oiça o novo Fura Fura por alunos e professores de Artes do Espetáculo - Interpretação da nossa Escola Secundária.


Veio lá da terra
Um homem
Tentar a ventura
Põe a roupa
Na maleta
Lá vai de abalada
Não pensa em voltar
Faz como a formiga
Fura fura
Fura sem parar
Pela estrada fora
Era já
Meia-noite
Só cães a ladrar
A chuva na terra
O vento no mar
Um velho voltou
E disse-me adeus
Cantando e dançando
Debaixo do céu
"Que é pena, que é mágoa
Que uma ave de penas
Não possa voar"
Às vezes
Não tenho jeito
P'ra falar de amigos
Meu amigo
Passageiro
Dá-me o teu capote
Para me abrigar
Vai num barco à vela
Numa aduela
Vai fazer-se ao mar
Passaram-se os dias
Dias da
Vida dum cavalo
A galopar
E o homem a andar
E o homem a andar
Um velho voltou
E disse-me adeus
Cantando e dançando
Debaixo do céu
"Que é pena, que é mágoa
Que uma ave de penas
Não possa voar"


____________________________________________________

José Afonso foi (é) um dos maiores vultos de Portugal (do século XX) e foi professor da nossa Escola Industrial e Comercial de Faro, em 1958/59 e no início dos anos 60 do século XX.


____________________________________________________

Notas biográficas


José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (ZECA AFONSO) nasceu em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, filho dum magistrado e duma professora primária. A infância reparte-se entre Aveiro, Angola, Moçambique, Belmonte e Coimbra, devido às sucessivas deslocações profissionais do pai.

Em Coimbra, estudante do Liceu D. João III, conhece o guitarrista António Portugal e começa a interessar-se pela música. Em fins da década de 40, já aluno de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Coimbra, destaca-se, à semelhança do irmão, como cantor de fados. Conhece o mestre guitarrista Flávio Rodrigues e a cantadeira popular Cristina Matos.

Casa pela primeira vez em 1950, com Maria Amália, de quem tem dois filhos, José Manuel e Helena. As dificuldades económicas levam-no a trabalhar como revisor no «Diário de Coimbra». Em 1953 grava os primeiros discos (de 78 rpm), com «Fado das Águias» e outras canções, o que voltou a acontecer em 1956 (já em discos de 45 rpm). Em 1958 viaja com a Tuna Académica até Angola, numa viagem que repetirá, dois anos depois, com o Orfeon Académico. Em 1960 grava a «Balada de Outono» e, depois, de modo irregular vai gravando alguns discos de pequeno formato (EP), até 1964, ano em que, já casado com Zélia, parte para Moçambique. Os filhos de ambos, Joana e Pedro, nascerão nos anos seguintes.

Pelo caminho deixa o serviço militar cumprido em Mafra (entre 1953 e 1955), onde se distinguiu pela sua permanente distração e incapacidade para dar ordens e uma experiência de professor do ensino secundário iniciada em 1956 e que o levou a diversos liceus e colégios de Mangualde, Aljustrel, Lagos, Faro e Alcobaça.

É ainda como mestre-escola que regressa a África em 1964, experiência que se revelará fundamental na sua formação política. Na Beira, colabora com o Teatro Experimental e escreve a música para a peça «E Excepção e a Regra», de Brecht. Volta a Portugal em 1967, ano em que é pela primeira vez editado em «long playing» (33 rpm)  «Baladas e Canções», historicamente o seu primeiro álbum, que recolhe gravações anteriores à sua partida para Moçambique e editadas em vários EPs.

Expulso do ensino por razões políticas, dedica-se mais assiduamente à música e inicia um período de gravações regulares com «Cantares do Andarilho» (1968). No ano seguinte grava «Contos Velhos Rumos Novos» e, em 1970, publica «Traz outro Amigo Também» e visita Cuba. No ano seguinte edita «Cantigas do Maio», e tudo passa a ser como era na música portuguesa. Aliás, 71 é um ano de luxo para a música portuguesa: Sérgio Godinho grava «Os Sobreviventes», Adriano Correia de Oliveira edita «Gente de Aqui e de Agora», José Mário Branco publica «Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades», Luís Cília vê sair em França o terceiro álbum da série «A Poesia Portuguesa de Hoje e de Sempre». Ainda nesse ano recebe o terceiro prémio consecutivo da Casa da Imprensa pelo melhor disco.

Em 1972 canta pela primeira vez na Galiza e participa no Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro, onde apresenta o tema «A Morte Saiu à Rua», dedicado ao pintor José Dias Coelho, assassinado pela Pide. Edita «Eu Vou Ser Como a Toupeira».

Participa activamente no III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em Março de 1973 (onde estreia em público «O Que Faz Falta») e envolve-se na acção politica com grupos de vários sectores da Esquerda, desde o PCP à LUAR. Publica «Venham mais Cinco» (73).

Em 29 de Março de 1974 participa no Encontro da Canção, no Coliseu dos Recreios, onde a censura não lhe permite cantar mais do que duas canções: «Milho Verde» e «Grândola Vila Morena». Menos de um mês depois, a 25 de Abril, esta era a senha do Movimento das Forças Armadas para o início da que ficaria para a história com o nome único de Revolução dos Cravos.

Ainda em 1974 faz sair «Coro dos Tribunais», mas só voltará a publicar em 1976  «Com As Minhas Tamanquinhas». Nesses meses («essa coisa magnifica que foi o PREC»), percorre o país de ponta a ponta, num sem fim de «sessões», «acções de dinamização», «campanhas de alfabetização». Grava um disco em Itália de apoio à luta do jornal «República» e outro para a LUAR «Viva o Poder Popular» / «Foi Na Cidade do Sado», ganha o Prémio Internacional de Folklore da Academia Fonográfica alemã (1976). Apoia as candidaturas à Presidência da República de Otelo Saraiva de Carvalho (1976 e 1980) e Maria de Lurdes Pintasilgo (1985). Grava «Enquanto Há Força» (77), «Fura Fura» (79), «Baladas de Coimbra e Outras Canções» (81).

Em 1982 visita Moçambique e é recebido pelo Presidente Samora Machel com honras semelhantes às de um chefe de Estado. É-lhe diagnosticada uma doença incurável (esclerose lateral amiotrópica) que se caracteriza pela destruição lenta e progressiva do tecido muscular. Viaja pela Roménia, Inglaterra e Estados Unidos, em busca de uma solução.

Em 1983 realiza os últimos espectáculos, nos coliseus de Lisboa e Porto. Publica o disco «Ao Vivo no Coliseu» e um belíssimo LP de originais, «Como Se Fora Seu Filho». Um ano depois, recebe dos doze participantes no Concerto pela Paz e Não Intervenção na América Central, realizado em Manágua, uma das mais significativas homenagens: uma mensagem assinada, entre outros, por Pete Seeger, Chico Buarque, Carlos Mejía Godoy, Sílvio Rodriguez, Daniel Viglietti, Isabel Parra e Amparo Ochoa. Nesse mesmo ano foi editado o livro "As Voltas de um Andarilho", de Viriato Teles, uma extensa reportagem sobre a vida e a obra de Zeca. Em 1984, José António Salvador publica "Livra-te do Medo", um outro trabalho biográfico sobre o poeta-cantor - reeditado em 1994 em nova versão, mais ilustrada, com o título "José Afonso - O Rosto da Utopia".

Em 1985 publica o derradeiro disco, «Galinhas do Mato», onde já só dá voz a dois dos temas. Os restantes têm interpretações de Janita Salomé, Helena Vieira, Luís Represas, Né Ladeiras e José Mário Branco. Morre, no hospital de Setúbal, na madrugada de 23 de Fevereiro de 1987.

Uma segunda edição (muito) aumentada de "As Voltas de um Andarilho" foi publicada em Novembro de 1999 pela Editora Ulmeiro. Este novo livro inclui um prefácio de Sérgio Godinho, intitulado "A que distância está o Zeca?", e uma crónica de Fernando Assis Pacheco, "Só me calham Dukes".

in Wikipédia